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Zé Sancho

por neves, aj, em 16.10.05

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José Luiz de Oliveira (Zé Sancho)

Neste dia 16 de Outubro também nasceu, mesmo a sua humilde condição lhe deu esse direito, na então vila de Santa Comba Dão um cidadão a quem foi posto o nome de José Luiz de Oliveira. Corria o ano de 1915, ano abrangido pela I Grande Guerra Mundial (1914/18).
Eu cresci com o Zé por perto, não que fossemos vizinhos lado a lado, antes sim por ele passar frequentemente pela minha rua, a Rua do Outeirinho, a caminho de sua casa no Bairro da Ribeira e pela sua presença amiúde em casa de meus pais.

"Ó Rosa... é preciso alguma coisa... esta lenhita é p'ra arrumar?", bradava ele, tanta vez, à entrada do quintal de minha casa... contudo a sua intenção nesse preciso momento não seria propriamente trabalhar, fazer um bico, um biscate, era comer, matar a maldita fome que o Portugal de então sem Segurança Social permitia que atacasse o seu povo.
Jamais minha mãe, a Rosa, deixou de inventar um prato de comida de modo que o estômago do Zé ficasse mais composto, mais aconchegado e se eu estava por perto, minha mãe mandava o Tó-Zé entregar-lhe o repasto, penso que em atitude educativa, e neste preciso momento agradeço em pensamento a minha mãe a forma como me ensinou a ver o mundo e em particular as pessoas mais necessitadas, carenciadas... diferenciadas.
O Zé, Sancho por alcunha familiar, era um homenzão, forte, cheio de força... só que a Natureza traiu-o e o seu cérebro carecia de algumas faculdades. Jamais violento, que eu tivesse presenciado, foi sempre prestável, trabalhou toda a vida e nada pedia em troca. Pagavam-lhe... era-lhe dada comida, roupa, o inevitável cigarrito, uns trocados, consoante a consciência de cada um, mas tantos houve que, a existir Justiça Divina, devem estar (ainda) a arder nos confins dos Infernos.
Por obra de minha mãe cresci a ver o Zé mais igual a mim e, já com capacidade de olhar para o mundo, apercebia-me de quem lhe fazia o bem e muito aprendi com meu irmão imediatamente mais próximo... aprendi a respeitar o Zé.
O calendário voou e centenas de imagens inundam agora o meu cérebro... minha mãe partiu... o Zé não perdeu o tino da nossa casa, mas sabia que algo tinha mudado... tanto sabia que eu jamais poderei esquecer um Dia de Todos os Santos qualquer em que me apercebo da figura estática e muda do Zé Sancho de cabeça descoberta (tirou o inseparável chapéu) em sinal de respeito, aos pés da sepultura de minha mãe...
Mais cresci e o Zé continuou a fazer parte da minha vida. Que me lembre jamais me chamou pelo nome... chamava-me Assis (nome de meu irmão) ou "filho do Zé Neves"... contudo tal não era impedimento de receber o habitual cigarrito e, quando se proporcionava, um copo de leite mesmo que a seu lado se servissem copos de vinho.
Os anos avançaram e o Zé começou a fraquejar... a força de gancho estava a ir embora, apesar de agora já poder usufruir do seu direito à alimentação graças a um Portugal Novo nascido em Abril.
Adoeceu... foi internado no Lar da Santa Casa da Misericórdia da sua terra natal e finalmente gozou dos cuidados e carinhos que a vida lhe tinha negado até então... afirmo-o com clareza, porque constatei esse carinho e amor da parte das gentes do Lar nas visitas que por vezes lhe fazia.
Em Setembro de 1997 escrevi no semanário Defesa da Beira

O “Zé Sancho” deixou-nos!
De todos amigo e nem sempre correspondido, o José Luiz de Oliveira, que faria 82 anos em 16 de Outubro próximo, resolveu descansar e na noite do pretérito dia 23... descansou.
Da vivência e dos relatos que ouvi, perpetuo o Homem que nunca ofendeu, humildemente trabalhou e que certamente perdoou aos que dele abusaram!
Contrariando o que tinha previsto, o seu funeral (dos poucos que participei) teve grande acompanhamento... teve flores, onde foi destaque uma palma enorme que o Casa das Prendinhas [Rua Mouzinho de Albuquerque] me ofereceu para eu oferecer ao Zé. Enfim, ficou provado que o Zé Sancho era querido por muita gente e fiquei satisfeito.

 

... antes, já com o Zé internado, o Seven também rasbiscou "Ao Zé" e que se publica aqui:

Ao Zé

Outubro... neste mês
não sei porquê
quero contar, falar
não sei sobre quê,
sei de quem
d’um que chamam de “Zé Ninguém”.
Dezasseis é o seu dia
quem diria
que também nasceu
cresceu
e
trabalhou, trabalhou
nada pedindo e se esforçou.
Não lê
os outros lá saberão porquê,
mas tem
tinha, força maior que gancho
hoje falo-vos do Zé,
do valeroso Zé Sancho!
(José Luiz Oliveira)

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publicado às 13:11


1 comentário

De Alípio Calisto a 20.10.2005 às 12:46

Como és mais novo um bocadinho, não saberás das diabruras do Zé uns anos antes. Eu que vivia paredes meias com ele (até havia buracos!!!), confesso-te que tive medo muitas vezes das suas tropelias (bater na mãe, ameaçar os vizinhos e até ter a casa regada com petróleo para lhe pegar fogo!!! não fôra a rápida intervenção da GNR e... não sei não!!! É claro que todos lhe perdoámos e não posso deixar de concordar com o que descreves. A longa ausência dos meus comentários deveu-se ao facto de ter estado privado desta máquina infernal que me tem «infernizado» a paciência com sucessivas avarias. Está na garantia e daí a minha estranha paciência.
Um grande abraço.
Alípio Calisto

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