Voz do Seven

Educado em ambiente católico, recebi de minha mãe os ensinamentos desta tradição ancestral de ornamentar com flores e iluminar com luzes de vela a memória dos mortos. Durante anos cumpri... e durante esses anos o fiz na sua companhia.

Depois, bem... com franqueza afirmo que depois deixei de cumprir e com igual dose de franqueza também digo que jamais fui acometido de ataque de remorso ou de arrependimento. Deixei de o fazer e pronto. Não me vou explicar das razões, porque verdadeiramente não tenho como explicar a razão por a minha mente ter resolvido um dia (de Todos os Santos) negar-se a participar neste ritual de conversação à volta de uma tumba e que, por força das leis fazedoras de dinheiro, se tornou exacerbadamente comercial com o preço das flores, por exemplo, a disparar em flecha inflacionados para mais do dobro do seu real valor...

não julgueis que perdi o tino, não senhor, porque muitos dias tem o calendário e outras datas muito mais importantes estão marcadas na minha mente... nesses dias, sozinho, completamente só, em paz comigo e na paz dos mortos é que eu me sentia bem em colocar lá a flor, lá na laje cimeira desse local que sabemos sem fundo e onde vão desaparecendo lentamente as raízes físicas da nossa existência...

mas, felizmente para mim que (ainda) continua bem activa a parte da memória onde foram sepultadas as recordações e, assim, liberto dos rituais físicos da morte possuo a faculdade de mesmo à distância de 8 mil quilómetros conseguir colocar (no dia que me apetecer e na hora que sentir desejo) uma flor, uma rosa (inevitavelmente) no local que mais me aprouver...