um clique para ampliar... aposto dobrado contra singelo em como não há ser vivente na ditosa Mãe-terra que tivesse conhecido o meu avô. É verdade que todos os demais poderão ligá-lo a mim devido ao nome de família que ambos ostentamos mas só por isso ninguém vai arriscar dizer que meu pai, Zé Neves, é o filho mais velho desse homem de aspecto pacato e cabelo grisalho que nos aparece na foto. Contudo é verdade: é o pai de meu pai, só que desconhecido de todos, tanto que a maior parte da sua vida viveu-a fora da terra, por terras d'além-mar.
Pouco sei de meu avô Manuel Neves. Sei que é santacombadense tal como eu, como nós Neves, porque nasceu na ditosa Santa Comba Dão de família residente na Catraia. Esteve em África durante a Primeira Guerra Mundial e, pelos vistos, o seu espírito aventureiro apaixonou-se pelo chamado continente negro já que após voltar à terra-natal regressou a Angola para nunca mais voltar a casa. Meu pai teria uns 9 anos, talvez 7, segundo diz o meu irmão mais velho o único de nós a saber mais qualquer coisita sobre o meu avô. Estaríamos assim em 1924, talvez 1926. Por Santa Comba ficou uma família orfã: minha avó Aida que viria a falecer em 1936 e três filhos, José, Afonso e Lusitana. Por lá, por África, meu avô teria trabalhado nos Caminhos de Ferro de Benguela onde a sua voz contestatária lhe teria causado problemas [ter-se-ia metido na política, segundo o diz-que-disse] vá lá saber-se se provocados pela subida ao poder do seu conterrâneo do Vimieiro. Por lá, por Angola, meu avô formou nova prole, três filhos segundo registos, duas mulheres e um homem, aliás este é o único dos três tios angolanos que eu conheço, que nós conhecemos. Ao que consta, as outras duas tias já terão falecido. Sei que este meu tio Manuel António vive na zona de Lisboa e vi-o duas vezes, a última delas foi no funeral de minha mãe, há mesmo muito tempo, mas também sei que esteve por Santa Comba a acompanhar a irmã Lusitana à sua última morada, já eu tinha atravessado o Atlântico. Do resto da família, de meus primos, nada sei. Uma vez coloquei no papel o meu temor de poder ter conhecido um primo meu, neto angolano de meu avô, durante a Guerra Colonial. Poderia ter sido da forma mais trágica possível: cada um de nós de seu lado da barricada, apontando a arma contra o outro. Ele defendendo a sua terra e eu interesses colonialistas de uns quantos. Dirão uns que tenho imaginação fértil em demasia, contraponho eu que é bem difícil escrever com antecedência os seis números do Totoloto [Mega-Sena] e há quem os acerte. Abençoado Abril que evitou esse hipotético encontro em guerra que, confesso, agora gostaria que acontecesse em Paz e não necessariamente presencial, afinal pode tornar-se possível graças às ondas cibernéticas. Quem sabe?
Ao que sei, meu avô Manuel Neves foi sepultado no Cubal, cidade perto do Lobito na Província de Benguela, em Angola e remato dizendo que neste texto não pretendi imortalizar meu avô libertando-o da Lei da Morte tal como Camões cantou acerca daqueles portugueses de reconhecidas obras valerosas, antes exteriorizar que nenhuma mágoa ou raiva me move contra ele porque, registe-se, também não me foi passada por meu pai. Afinal errar é próprio do homem e não adianta agora discutir as razões que levaram meu avô a não regressar.
Mas o grande objectivo desta entrada é apresentar aos "Neves mais novos" um elo mais na sua árvore das origens, afinal o mais velho dos Neves que conhecemos retratado, lembrando-lhes que essas origens são para serem respeitadas e memorizadas, recordadas e transmitidas à descendência.