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Zé e Rosa

por neves, aj, em 07.04.12

Naturais da ditosa Mãe-terra de Santa Comba Dão, Zé e Rosa viveram em comunhão durante trinta e quatro anos e geraram quatro filhos!

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... conheci Zé e Rosa "apenas" nos finais de 1955. Primeiro a ela, depois a ele. O que sei do "antes de mim" foi-me contado ao longo dos anos em relatos que tive o cuidado de guardar religiosamente na gaveta da memória. Foi-me dito que ambos provinham de famílias humildes e trabalhadoras e que qualquer um deles passou por acentuadas privações na infância e juventude. Mais ele, com toda a certeza, a que não será alheio o facto de aos sete anos de idade ter visto o pai Manuel partir para Angola para nunca mais regressar [por lá construiu nova família e por lá ficou sepultado] e de aos 19 anos se ter visto órfão de mãe com dois irmãos a cargo. Relatos de fome combatida com broa e "sardinha a dividir pelos três" e de viver da caridade de familiares foram escutados pelos meus ouvidos. Corria o ano de 1936 quando a mãe Aida se finou e por essa altura, Zé já exercia a arte de alfaiate, contudo ainda não estabelecido por conta própria. Ela, Rosa, a mais nova de seis filhas, viu [também] cedo a doença levar-lhe o pai Elísio. Curiosamente também no ano de 1936. Ainda não tinha completado os 15 anos. Consta-me que teria "servido" por algum tempo [empregada doméstica], mas em casa da vizinhança porque jamais a mãe Margarida se permitiria ver-se longe da sua menina caçula. Depressa regressou a casa.
É de crer que por esta altura o cupido já tivesse atacado, que os corações de Zé e Rosa já palpitassem um pelo outro quando os seus olhares se cruzavam, nomeadamente quando ela iria encher o cântaro ao Chafariz da Pontapraça e passava em frente à antiga alfaiataria situada na Alexandre Herculano da então vila de Santa Comba Dão onde Zé trabalhava. Apesar de notar um certo esbatido nas notas que memorizei, afirmo sem receio que o comprometimento já existiria porque me consta que teriam namorado bastante tempo, creio que sete anos, e o casamento aproxima-se a passos largos.
O casamento aconteceu na Igreja Matriz. Era Terça-feira, manhã cedo segundo memorizei, e o calendário do mês de Junho do ano de 1942 marcava o dia trinta. 30 de Junho de 1942, o começo de um nova vida. Estava-se em plena Segunda Guerra Mundial. Sei que a cabeça da noiva não ostentava grinalda, apenas o obrigatório véu, que o vestido não tinha cauda e até me consta que seria bem simples, de cor bege. Não teria ido à cabeleireira pentear e maquilhar, mas com toda a propriedade afirmo que estaria linda de certeza, afinal como todas as noivas deste mundo que tão belas se apresentam nesse dia tão marcante. Apesar de a memória não me dizer, é de acreditar que o noivo se tenha aperaltado com fato [terno] por si próprio costurado. Não me consta igualmente que à saída os sinos da Igreja se tivessem feito ouvir ou que tivesse sido lançado arroz e pétalas de rosas sobre as suas cabeças, mas tenho a certeza que o fotógrafo não estava lá. Finda a cerimónia, de imediato teriam rumado à casa da mãe da noiva e é de crer que a tradicional boda tenha sido substituída por "rancho melhorado". Afinal, as reservas económicas seriam escassas. Da viagem de núpcias não reza a história, teriam ficado por ali mesmo na casa do Outeirinho onde passaram a residir e construíram o seu lar.
No ano imediato, em Maio, nasceu um rapaz. Zé, como o pai, e Manuel como o pai do pai. No ano seguinte, em 1944, nasceu Jorge e dois anos depois, em 1946, mais um rapaz, Assis. O ventre de Rosa entrou em acalmia e descansou durante nove anos. Até 1955. Então Rosa encheu-se de esperanças de que a gravidez que trazia consigo a presenteasse, finalmente, com a tão almejada menina, mas puro engano. A encomenda trazia, mais uma vez, selo varão. António José. 
A família estava completa. Zé, que se tinha estabelecido por conta própria imediatamente antes do casamento primeiro na Mouzinho da Albuquerque em pequena loja da casa Ayres d'Almeida, depois na casa do Zagão [Casa dos Arcos] e finalmente no Largo do Balcão, onde se encontra, ainda, ganhava o sustento da casa no exercício da profissão de alfaiate e Rosa tornou-se dona de casa encarregada de lavar passar fazer as refeições e cuidar dos filhos. Tudo parecia decorrer dentro da normalidade até que a doença se apoderou de Rosa. Abrupta e precocemente. Faleceu em 1976, em Julho dia 5, com apenas 54 anos de idade. Deixou o maior dos vazios no lar. Com ela partiram os mimos e o encanto das Páscoas e dos Natais. Zé recuperou-se e refez a sua vida. Viveu até 2002. Até Julho, 26. Contava 85 anos. Ambos estão sepultados na mesma tumba no Cemitério de Santa Comba. Na minha memória também.
Zé e Rosa são os meus pais. Eu, o mais novo dos Alves Neves, e esta foi a forma que encontrei para homenagear em conjunto meus pais, de perpetuar a sua história e direccioná-la aos seus descendentes e, essencialmente, de os libertar da terrível lei da morte, do esquecimento.

Post-scriptum - seria lindo publicar a presente no dia 30 de Junho, dia em que o Zé Neves e a Maria Rosa completariam 70 anos de casados, mas a ansiedade não me permite. Por outro lado é meu dever informar que a precisão de alguns dados só se tornou possível após consulta ao "mais velho" e por último gostaria de exteriorizar a imensa luta que travei comigo mesmo ao redigir o texto, porque me sinto constrangido ao tratar meus pais por "ele e ela", mas a narrativa assim me obrigou. Que as suas memórias me perdoem.




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publicado às 11:22


3 comentários

De Anónimo a 02.11.2016 às 14:18

Linda homenagem

De Luiz Figueiredo a 30.06.2016 às 15:22

Extraordinária narrativa. Nostálgica também! Abraço.

De José Manuel Ramos a 27.07.2013 às 14:17

Parabéns!

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